ÉTICA NA ESCOLA E NA VIDA
Reprodução de um artigo do Gustavo
Ioschpe em veja 18 dezembro de 2013,
“ Não se abstenha a ler esse artigo pois certamente te levará a grandes
benefícios social.
Quando leio artigos como
esse, fico triste porque não são muitos que interessa por leitura para que essa
"ética" e o despertar por mudança não acontecem na sociedade, nesse
mundo de curtir e compartilhar essa geração está perdida sem conhecimento
profundo.
Estamos na era do
"resumo" do imediatismo, a juventude não está nem aí para a política,
a corrupção está em toda instância da sociedade e a mudança (e ética) é uma semente
plantada no terreno seco e duro e para piorar é regado semanal com um conta-gotas. – OziOE ”
O peso histórico de um evento é determinado pelo
que lhe sucede. A prisão dos mensaleiros tem tudo para ser um dos
acontecimentos mais importantes da história brasileira em décadas, mas só os
nossos próximos passos dirão se será um ponto de inflexão ou um ponto fora da
curva. Se o mensalão for o primeiro de muitos casos em que banqueiros,
congressistas e ex-ministros vão para a cadeia por seus delitos, as próximas
gerações verão este ano como o ponto de virada. Se, pelo contrário, essas
prisões forem apenas a exceção que confirma a regra, um caso isolado em que as
instituições funcionaram, então os historiadores do futuro verão o mensalão
como uma curiosidade. É difícil prever, mas confesso que não vejo muitos
motivos para justificar o otimismo a curto prazo. Porque ter uma Justiça ágil e
rigorosa contrariaria quatro pilares que me parecem basilares na formação do
Brasil.
O primeiro é o corporativismo. Somos o país dos
interesses de grupo. Não pensamos nem agimos como indivíduos, mas como
categorias. Uma das corporações mais poderosas é a dos advogados. É muito
numerosa (871 000 advogados no país, mais procuradores, juízes…), organizada (a
OAB é tão influente que tirou do Estado o poder de decidir quem pode ou não
exercer a profissão) e poderosa: dos 100 congressistas mais importantes do país
segundo o Diap, dezenove são advogados. Nosso sistema penal criou intermináveis
apelos, chicanas e exceções. Quanto mais longo é um julgamento e quanto maior é
o número de instâncias, maiores são a remuneração de advogados e a necessidade
de juízes e promotores. (“É a preservação do direito de plena defesa dos réus!
”, dirão nossos causídicos, cumprindo a regra de sempre apresentar a luta pelos
benefícios corporativos como uma batalha pelo bem comum.) Precisaríamos que os
deputados-juristas mudassem um sistema que beneficia seus pares. É difícil.
Ainda mais quando incríveis 38% dos nossos congressistas são réus no STF.
O segundo é o nosso pendor cristão-filossocialista
de achar que todo criminoso é vítima de um sistema social injusto, e não um
agente capaz de fazer as próprias escolhas. Alguém que merece nossa compaixão,
e não punição. A ditadura durou 21 anos. mas seu rescaldo está sendo ainda mais
longo: nossos legisladores ficaram com tanta (e justificada) ojeriza às prisões
arbitrárias de um regime de exceção que criaram um sistema em que é improvável
condenar alguém com bom advogado. (Esse é mais um dos casos em que a teoria da
defesa dos despossuídos se transforma em uma prática que garante a sua danação,
como em todos os populismos.)
O terceiro é a nossa secular desigualdade de renda.
É mais difícil seguir o princípio básico da democracia — a igualdade perante a
lei — quando na sociedade há uma clivagem tão aparente entre os que muitas
vezes se comportam como se estivessem acima da lei e a grande maioria,
abandonada pelo Estado e desprotegida.
O quarto e mais importante de todos: verdade seja
dita, não somos um povo que prima pela ética. Basta ver os políticos que
elegemos para nos representar e o que eles fazem. Para aqueles que acreditam
que, mesmo em um sistema democrático, nossos eleitos são piores do que seus
eleitores no quesito ética, convém ver os resultados de uma pesquisa Ibope de
2006 (todos os dados aqui mencionados estão em twitter.com/gioschpe). Ela
mostra que, apesar de a condenação à corrupção ser quase universal. 75% dos
entrevistados confessam que, se eleitos para cargos públicos, cometeriam ao
menos um delito de uma lista contendo treze possibilidades (coisas como mudar
de partido em troca de dinheiro, contratar empresas de familiares sem
licitação, pagar despesas pessoais não autorizadas etc.). 69% dos entrevistados
também admitem já ter transgredido leis para levar vantagem (dar caixinha ao
guarda, sonegar impostos, inflar gastos médicos para o seguro-saúde etc.). Essa
falta de ética se irmana à fraqueza do nosso aparato de Justiça para dar origem
a um ciclo vicioso em que há mais delinquência porque a confiança na absolvição
é grande, e o fato de tantos sermos delinquentes torna improvável a criação de
leis mais duras contra os delituosos.
Como romper esse ciclo? Só vejo dois caminhos. Um é
o de uma ditadura benevolente, que mude as leis na marra. Rejeito-o
liminarmente. O segundo é formando cidadãos melhores, que elegerão
representantes melhores e mais probos, que farão melhores leis.
Essa formação pode vir de uma série de fontes.
Desde a família até clubes de escoteiros, instituições religiosas etc. Mas o
melhor candidato, disparado, é o sistema educacional. Porque é nele que
crianças e jovens passam boa parte do seu tempo, é nele que são socializados, é
nele que aprendem sobre atos virtuosos de grandes homens e mulheres (e também
sobre os nefastos) e nele estão em um ambiente hierárquico e regrado, onde há
figuras de autoridade capazes de punir desvios de conduta.
A escola brasileira é antiética. Em geral, há
desprezo pelos alunos e seus esforços. Os professores faltam ao trabalho uma
enormidade
Se um marciano chegasse ao nosso país e
acompanhasse nossas discussões educacionais, acreditaria que somos o país cujo
sistema educacional oferece a melhor formação ética da galáxia. O assunto é
infinitamente discutido e priorizado, a ponto de uma pesquisa da Unesco que
traça o perfil do professorado brasileiro mostrar que para 72% de nossos
mestres a finalidade mais importante da educação deveria ser “formar cidadãos
conscientes” — só 9%, por contraste, falam em “proporcionar conhecimentos
básicos”. Sabemos que essa missão não está sendo cumprida. Principalmente
porque um sistema educacional não tem esse poder — a pregação de um professor
não vai reverter os efeitos de uma sociedade permissiva e de um Judiciário
ineficazes. Mas também porque a prática de nossas escolas é o oposto de sua
pregação.
A escola brasileira é antiética. Em geral, há
desprezo pelos alunos e seus esforços. Os professores faltam ao trabalho uma
enormidade. Fazem greves de meses, com motivações muitas vezes políticas,
prejudicando gravemente o andamento dos estudos. Mesmo quando há aula, o tempo
é desperdiçado. Uma pesquisa do ano passado do Banco Mundial mostrou que só 64%
do tempo previsto de aula é gasto com tarefas de ensino — um terço dele é
perdido em outras atividades ou sem atividade alguma. Mesmo no tempo de aula, o
despreparo docente é aparente. As aulas são chatérrimas; boa parte do tempo é
devotada a copiar matéria do quadro-negro — o que pode ser um ótimo exercício
de caligrafia e uma maneira de um professor despreparado preencher os cinquenta
minutos de aula, mas não tem nada a ver com educação.
Finalmente, quando todo esse processo é avaliado,
as fraudes são constantes: não me recordo de uma única prova em toda a minha
vida de estudante em que não houvesse cola. Em alguns casos, gritante. A grande
maioria dos professores faz que não vê. No máximo dá uma indireta. Que
diferença do ambiente nas universidades americanas que cursei, em que a
primeira página de cada prova continha uma declaração de aderência ao código de
ética da universidade, cuja assinatura era obrigatória para todos os alunos, e
que especificava a punição para os coladores: expulsão. Nunca vi sequer um
aluno colando. Há suporte empírico para essa observação casual: um estudo de
dois acadêmicos portugueses em 21 países mostrou o aluno brasileiro em quinto
lugar no ranking da cola em universidades.
Aqui há uma discussão conceitual importante. Muita
gente verá esses dados e dirá que a escola é apenas um reflexo da sociedade. Se
a sociedade brasileira é desonesta, é normal que a escola também o seja. O
problema é que, para avançarmos, precisaremos que as instituições sejam melhores
do que a média nacional. Enquanto nossa escola for um retrato do país, o país
não mudará. Temos de exigir das escolas um desempenho ético superior. Não é
fácil. Todas as forças e incentivos existentes conduzem à inércia. Mas são
indispensáveis. A melhora educacional precisa vir antes da melhora social. Foi
assim nos países de sucesso. Espero que seja assim aqui também. São os meus
votos para 2014.
Autor: Gustavo Ioschpe em Artigos Veja 18 dezembro de 2013